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O dois lados do campo - Capítulo I

Passava pouco das quatro da tarde, o sol brilhava e quase não haviam núvens no céu. Estava um fabuloso dia de Primavera, lá fora as borboletas esvoaçavam, as andorinhas voltavam aos seus ninhos que tinham abandonado durante o frio e doloroso Inverno para partirem para locais mais quentes, e as abelhas voavam de flor em flor tão rapidamente que parecia que tinham ansiado por aquele momento durante todo o Inverno, tal como Erica.
Não estava a passar nada de jeito na televisão e todos os livros eróticos da sua estante já há muito que haviam sido lidos. Nas alturas de maior desespero e solidão, tinha-os folheados com tanto prazer como quando fazia amor. Agora já há muito que não o fazia.
Um barulho do que parecia ser um gato vadio perseguindo um passarinho vindo do lado de fora, fez com que Erica despertasse e conseguisse tirar os olhos do computador onde começava agora a escrever o seu livro sobre psicologia. Foi até à janela e toda a bonita natureza lá fora fê-la repensar na decisão anteriormente tomada de não sair de casa nessa bela tarde de Maio.
Enfiou o que considerava ser as suas melhores calças de ganga e vestiu um top com um decote um pouco mais atrevido, como se tentasse compensar todos aqueles fins-de-semana de Inverno passados deitada no sofá da sala em frente da televisão a ver a sua série preferida, Brothers & Sisters, fascinava-a a quantidade de relancionamentos e confusões que aquela família conseguia arranjar. Depois, calçou os seus melhores sapatos, colocou os seus bens numa mala a combinar com o calçado e saíu. Quase que fechava a porta de casa, quando se lembrou do facto de que as chaves ainda se encontravam no interior da mesma. Correu para as ir buscar e finalmente, conseguiu sair da sua alegre vivenda e entrar dentro do seu moderno Mini vermelho.
Não sabia para onde ir, mas como que instintivamente, deu por si a dirigir-se à baixa da cidade. Há tanto tempo que não ia até lá. Aquele era um sítio bastante estranho onde havia uma enorme mistura de pessoas: jovens revoltados, idosos fartos de ficarem em casa e mulheres gastadoras com grandes impulsos consumistas. Havia ainda um quarto grupo que era o dos turistas, porém ela não se inseria em nenhum. Tinha um pouco de todos. Era tão revoltada como os primeiros, estava tão farta de ficar em casa sem fazer nenhum como os idosos, seguia a moda à risca tal como as terceiras e ainda tinham um pouco de turista, porque naquela cidade tudo lhe parecia estranho e desconhecido.
Estacionou o carro num lugar mesmo à frente da sua pastelaria preferida. Decidiu ir dar uma volta pelas lojas da baixa e voltar mais tarde para comer qualquer coisa.
Foi de encontro à sua loja preferida, os saltos dos seus sapatos faziam barulho ao bater nas pedras da calçada e isso atraía a atenção das pessoas que passavam, principalmente dos jovens e homens. Erica não era nenhum espéctaculo de mulher, muito pelo contrário, encontrava-se ainda muito longe de se tornar uma senhora, pois conservava ainda o corpo de uma adolescente. Orgulhava-se da bela barriga que tinha e dos seus longos cabelos castanhos que esvoaçavam com a brisa de vento, mas nada mais que isso.
Os homens continuavam a olhar para ela, não pelo seu corpo ou cara, mas pela confiança que ela aparentava ao andar. Apenas aparentava, porque na realidade, tudo não passava de uma ilusão. Erica tinha plena consciência disso, mas mesmo assim, continuava a ignorar todos aqueles piropos vindos daqueles seres humanos - a maior parte deles casados - completamente nojentos. Enquanto observava ao pormenor algumas das roupas que tencionava comprar naquele dia, os seus olhos foram de encontro a uma bonita jovem acompanhada pelo namorado. Já na caixa, começou a recordar-se do período da sua adolescência. Também ela custumava passear pela baixa com o seu namorado, às escondidas dos seus pais, pois só assim conseguia sair. Eram tão diferentes um do outro, mas isso não os impediu de estarem juntos durante cerca de um ano e meio. Estava tão apaixonada naquela altura que chegou a julgar que nada os iria separar. Errou. Isso acabou por acontecer no final das aulas, quase no início do Verão. Não aconteceu por desejo dela. Um dia simplesmente chegaram à conclusão (mais ele que ela) que já não conseguiam continuar juntos. Tinha acontecido há apenas cinco anos, mas a ela parecia-lhe uma eternidade. Não acreditava que voltaria a apaixonar-se por algum homem como se tinham apaixonado por aquele rapaz há meia década atrás. Gonçalo... sim, era esse o seu nome. Lembrava-se perfeitamente do tempo que tinham demorado a esquecer tudo aquilo que sentia por ele, até se tinha dado ao trabalho de o apontar num calendário, até um dia a ver com outra e isso foi remédio santo.
- Oitenta e três...
Parou de pensar naquelas coisas. Estava alguém ao lado dela que sabia exactamente o número de dias que ela demorara a esquecer aquele rapaz chamado Gonçalo. Seria ele?
- Oitenta e três euros e cinquenta e oito cêntimos. – repetiu a empregada.
- Ah! – suspirou Erica de alívio. Tirou o cartão de crédito de dentro da sua carteira e entregou-o à empregada. Estava tão envergonhada que nem sabia bem o que dizer.
Olhou para o que tinha comprado. Um par de calças e duas camisolas. Tudo oitenta e três euros. Como era possível ter gasto tanto dinheiro em apenas três peças de roupa?! Lembrou-se de que estava na melhor loja da cidade e que os preços não importavam naquela local. Então, porque não gastar dinheiro naqulo que queria, já que não tinha mais sítio nenhum onde o gastar. O seu trabalho como psicóloga dava-lhe dinheiro suficiente para se alimentar, para a gasolina necessária para se deslocar de casa ao trabalho e do trabalho até casa, para as prestações do empréstimo da compra da casa que agora dividia com a sua melhor amiga, e ainda para queles gastos mensais adicionais em roupas e acessórios. Tinha o seu próprio consultório e adorava a profissão que exercia, embora às vezes se sentisse um pouco desgastada emocionalmente no final do dia. O verdadeiro motivo para ter decidido ser psicóloga só ela o sabia e não tencionava partilhá-lo com ninguém. Não queria dar parte fraca.
- Obrigada. – disse a bonita empregada de balcão ao devolver-lhe o cartão.
- Obrigada, eu. Tenha um resto de boa tarde. – disse Erica educadamente e piscando-lhe o olho. Depois pegou no saco com a roupa e saíu da loja.
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