O comboio partiu

"É como se estivesse a correr atrás do último comboio, quando é tarde de mais. É tarde de mais para tudo."
Estou sentada no chão, com o vento a bater-me nas costas, as lágrimas agora misturadas com a minha maquilhagem escura escorrem-me pela cara. É mais um daqueles dias em que o meu cabelo acordou tão estúpido que por mais que tente, ele teima em não me sair da frente dos olhos. Procuro por um elástico dentro da minha mala, cheia de tralha, nada. Como sempre, não encontro nada. Desisto.
Olho para o relógio mais uma vez, há quarenta e cinco minutos que estou aqui sentada à espera que o comboio passe. Parece que hoje resolveu demorar-se, se fosse só hoje... Começo a pensar em desistir e ir a pé para casa, sei que vou ter um longo caminho a percorrer, mas não é isso que me assusta. É que a vida está cheia de atritos e não me apetece ter que os ultrapassar mais uma vez. Vou ser cobarde e fugir, como nunca antes tinha feito.
Talvez o comboio tenha passado há pouco tempo e eu não o tenha sentido, pois o meu cabelo não me permite ver e estava demasiado ocupada com os meus pensamentos para reparar. Ouço o barulho de um motor atrás de mim, viro-me quase que instantaneamente. Um carro pára atrás de mim, o condutor abre a janela do lado do passageiro e chama-me. Afasto novamente o cabelo dos e dou mais uma vista de olhos ao relógio.
Não vou esperar pelo último comboio, pois para mim é já tão frio e tão tarde. Se a situação fosse contrária, o comboio não esperaria por mim! Sigo até ao descapotável que parou por trás de mim, olho o condutor nos olhos, aceno com a cabeça e entro dentro do veículo. O pobre homem põe o pé no acelarador e arranca, olho para o lado e vejo o último comboio passar sem sequer se importar. Desta vez, não vou a correr atrás dele!

Prefiro o meu cão

Um dia, ia eu no meu caminho para casa quando conheci um cão rafeiro. Demo-nos logo muito bem, depressa nos tornámos grandes amigos. A nossa relação crescia de dia para dia, parecia que já nos conhecíamos há imenso tempo. Cheguei ao ponto de já não conseguir imaginar a minha vida sem esse cão. Sabia que ele sentia o mesmo em relação a mim.
Mas o pobre cão começou a mudar, começou a ficar estranho, rebelde. Já não queria a companhia da humana que durante tanto tempo o tinha acompanhado e resolveu que já não precisava dela, tinha encontrado pessoas melhores. Então um dia, resolvi partir.
Não sabia para onde iria, tinha a certeza de que algo melhor haveria de encontrar no caminho. Segui em frente, tropecei em rochas e em rochedos, mas de todas as vezes me levantei e arranjei forças para continuar a caminhar. Num belo dia, algures no meio desse caminho, conheci um Husky lindo.
Sabia que nunca iria gostar desse Husky tanto quanto gostava do cão rafeiro, mas resolvi tentar. A nossa relação desenrolou-se melhor do que estava à espera. E uma vez, estava eu a descansar ao lado desse cão tão poderoso. Quando ouvi um ganir vindo do fundo do caminho, aquele que eu tinha resolvido seguir em frente. Depressa me apercebi que era o cão rafeiro quem gania. Tinha percebido a asneira que cometera ao mandar-me embora e estava agora a pedir perdão.
Expliquei a situação ao tão belo Husky, penso que ele até hoje ainda não compreendeu a minha situação, mas eu tinha de voltar para trás. O rafeiro que eu tanto amava ansiava por mim. Ao chegar perto dele, por momentos ainda pensei que tudo pudesse voltar a ser como era antes de tudo aquilo acontecer, mas o rafeiro voltou a aperceber-se que se calhar não precisava assim tanto de mim. Mais uma vez, resolvi partir!
Ia eu no meu caminho de sempre, acabada de enfrentar a realidade em que vivia, quando me deparei com um lobo selvagem. Olhei nos seus olhos e percebi que ele precisava muito de mim, resolvi ficar com ele. A nossa relação desenvolveu-se a olhos vistos! Era difícil estarmos um sem o outro. Todas aquelas noites de lua cheia passadas ao seu lado, vendo-o uivar pareciam simplesmente perfeitas.
Mais uma vez, comecei a ouvir o ganir desesperado do cão rafeiro. Que quereria ele agora? Entendi quando ele disse que queria que eu voltasse atrás, que voltasse para ele. Mas aquele cão já me tinha enganado tantas outras vezes, porque seria diferente desta vez?
Os dias passaram, e aquele assunto continuava sem me sair da cabeça. Acho que precisava de desabafar, então contei ao lobo o que realmente se passava. Ele entendeu tudo ao contrário, pensou que eu queria voltar para o meu rafeiro. Talvez até quisesse, mas sabia que desta vez não o podia fazer. O lobinho selvagem deixou de me prestar atenção, agia como se eu não vivesse no mesmo sítio que ele, como se eu tivesse deixado de existir.
Então, numa bela manhã de sábado resolvi partir em direcção ao meu passado, tinha medo do que mais poderia encontrar se tivesse continuado em frente no meu caminho. Sabia que não podia voltar de novo para o cão rafeiro, por muito que ele implorasse.
Estava já tão cansada e tão fraca. As minhas pernas tremiam, temia nunca mais voltar a curar-me da tal doença que era o amor. Não tinha forças para continuar a andar, doía-me todo o corpo, doía-me o coração de ter amado tão desesperadamente. Resolvi então deitar-me em cima de um desses rochedos que antes me tinha feito tropeçar e cair. Fechei os meus olhos, respirei calmamente, sem pressas. Abri-os e olhei para o céu, reparei que o sol tinha-se ido embora há muito tempo atrás e que ameaçava nunca mais voltar. Fechei os meus olhos de novo, desta vez sabia que podia estar em paz. Sabia que podia descansar sem que ninguém se metesse no meu caminho, nunca mais.

Sempre aqui

A vida é fantástica, não há lugar para dúvidas quanto a isso. Quantas vezes já não passamos por um momento em que dizemos para nós próprios "Sou a pessoa mais feliz do mundo"? Quantos foram os infelizes que (não) passaram pela vida a correr, para agora mais tarde ao relembrarem um momento ao qual nunca teriam dado importância, desabafarem consigo mesmos dizendo "Fui a pessoa mais feliz do mundo"?
Quando todo o mundo se volta contra mim, quando já nada parece perfeito, quando o sol que brilhava por cima da minha cabeça se esconde, quando o inferno resolve descer à terra, quando o meu mundo deixa de me pertencer, quando tudo o que era lindo e maravilhoso resolve desaparecer... O que é feito de mim? O que é feito de mim nesses momentos?
Aí apareces tu, de braços abertos pronto a acolher-me, de ouvidos bem apurados prontos a ouvir-me com toda a tua atenção, de olhos tão generosos que quase poderião chorar comigo, de cérebro pronto a pensar em arranjar motivos para que eu não me sinta mal, de coração aberto para me ouvires com toda a paciência que possuis. E dessa tua boca tão expressível, tão capaz de demonstrar sentimentos, ouço sair com prontidão um "Que se passa amor?".
Digo nada, mas tu insistes, persistes e não desistes até que eu te conte o que realmente me vai na alma. Depois tentas arranjar motivos para me mostrares que eu afinal presto, ao contrário do que a maior parte das pessoas diz, e algures no meio de tudo isso, eu volto a arranjar forças para começar um novo dia.
Um novo dia em que tu não vais querer que eu diga mais disparates, um novo dia em que me vais voltar a explicar o quão importante eu sou para ti, um novo dia em que me vais levantar a auto-estima e levar esta dor no coração para longe de mim.
Mais um dia em que eu te vou amar louca e perdidamente, mais um dia em que te vou tentar explicar o porquê de não poder voltar atrás, voltar para ti.

Aquilo que te diria se não estivesse cansada de o repetir

Falei, falei, falei. Fartei-me de tentar falar contigo, cheguei à conclusão de que nunca me ouvirás. Só vais perceber no que te meteste, quando bateres no fundo. Dizes sempre que eu nada sei, que só quem se encontra por dentro do assunto é capaz de compreender o prazer que isso te dá. Diz-me onde é que esse mundo é melhor do que aquele que eu te poderia oferecer?
Tentei não ter que te fazer escolher entre uma coisa e outra, mesmo assim tomaste a tua decisão. Mas não foste o único a descobrir algo novo na tua vida, eu descobri que não consigo viver sem ti, mas que também não consigo viver contigo sabendo essa vida que levas. Não quero passar o resto dos meus dias preocupada contigo, sem saber o que estás a fazer, se estarás bem. Queres viver a vida louca, sabes que não podes contar comigo.
Dizem que os amigos estão sempre connosco nos bons e nos maus momentos, que nos devem apoiar sempre. Desculpa meu querido, mas não sou capaz de te apoiar nessa tua decisão. Mesmo assim, não sou capaz de simplesmente te deixar ir.
Todo o mundo diz que a vida é tua, que se tu te quiseres matar a decisão é tua e ninguém tem nada a ver com isso. Para mim, isso não é bem assim. As pessoas dizem isso porque não sabem o que é ter medo de se perder alguém que tanto se ama. Amo a tua vida muito mais do que amo a minha própria vida. Sabes de tudo isto, e por isso vejo isso como um acto de puro egoísmo. Será que não pensas em mais ninguém para além de ti?
Apetece-me dar-te um abanão para que acordes e vejas o que tens andado a perder. Sei que não sou muito, mas sou uma pessoa real, tenho sentimentos. E sei que por baixo dessa cortina de fumo que te enubla o coração também me amas. Apenas escolheste não dar importância a esses sentimentos para que não te magoasses.
Apesar de tudo, sabes que não vai ser tarde demais quando o fumo sair da frente porque eu vou continuar aqui de braços abertos, pronta para te acolher de novo. Por favor, não deixes que isso estrague tudo o que de bonito a nossa relação poderia ter. Amo-te.

Comecei hoje a fazer uma lista de desejos,
Curiosamente, quase quatro anos depois de te ter conhecido
O primeiro desejo da minha lista
Continua a ser o mesmo.. Tu!


E pensar que por momentos o realizaste $:

Amo-te mais que tudo isto

Possuis os olhos mais bonitos que eu já alguma vez vi.
Quando me beijas, sinto a cabeça a andar à roda.

Sabes há quanto tempo eu não sentia isso?
Quando me abraças, espero que não me largues.
Fico a cheirar a ti cada vez que te deixo.
Sabes o quanto eu adoro isso?

Na despedida, beijo-te a correr.

Sempre na esperança que me agarres e digas:

"Hoje não vais, hoje ficas comigo"
Sabes o quanto eu iria apreciar isso?

Entrelaças os teus dedos nos meus
Com medo que eu te solte a qualquer momento.

Será que sabes que não precisas de ter medo disso?

Be the one

E ali estava ele, encostado à porta de entrada do supermercado. Era tudo o que eu tinha imaginado e ainda mais.
Nunca tinha visto olhos tão bonitos quanto aqueles, eram como que de um azul acinzentado que dava até vontade de mergulhar neles. Nunca tinha visto um cabelo loiro tão bonito quanto aquele, até porque normalmente os loiros não me interessavam muito. Tinha preferido sempre morenos. Nunca uma barba por fazer de dois ou três dias me tinha deixado tão fascinada, apesar de já ter estado antes com outros homens assim.
Não sei o que se passava comigo, mas era realmente interessante a maneira como aquela pessoa me deixava tão excitada. Por mais homens com quem eu já tivesse estado, nunca nenhum me tinha deixado assim.
Talvez aquele não fosse um homem qualquer. Aquele não era um homem qualquer. Era o meu homem, o meu futuro homem. E o mais fantástico é que o melhor nele não era o aspecto físico. As pessoas bonitas a que estava habituada a ver, não tinham nada no seu interior. E por vezes, as menos atraentes exteriormente possuíam um coração bem maior. Mas ele era diferente.
Cheguei a pensar que aquilo era tudo fruto da minha imaginação muito fértil. Tal homem não podia existir, não podia ser real. Belisquei-me, uma e outra vez... Ali continuava eu, a olhar para aquele pedaço de carne que era uma verdadeira tentação.
Era o primeiro 'pacote completo' que conhecia e estava receosa em relação à aproximação. Ele já me conhecia tão bem, e eu a ele. Agarrando-me à ideia de que o meu aspecto físico não o iria desiludir, avancei. Estávamos apenas a uns sete metros de distância, mas os segundos que demorei a chegar perto dele pareceram infinitos. O meu coração batia tão rapidamente que parecia querer saltar-me do peito, pelo meu cérebro corriam milhões de imagens e abordagens possíveis.
Creio que não consegui fazer passar a imagem da minha calma. Cheguei ao pé dele, e espetei-lhe um beijo na boca. Nunca na minha vida, esperara fazer aquilo a um corpo que desconhecia. Sim, só corpo. Não sei porque o fizera, nada nas conversas que tivemos me indicara que o devesse mesmo ter feito, mas fiz. Olhei depois para ele embaraçada e a reacção que vi nos seus lindos olhos, não era de todo a que esperava.
Resolvi acabar com aquela confusão e à espera de ter a confirmação, perguntei bem baixo ao seu ouvido "Que estás aqui a fazer?".
- Estou à espera...
- Muito bem, podes parar de esperar. Eu estou aqui!
- Não...
- Então? - não conseguia compreender o porquê de tal reacção. Quando o beijei esperava que ele tivesse retribuído ou que tivesse dito alguma coisa contra. Em vez disso, a reacção dele foi de total indiferença, completamente nula.
- Estou à espera de outra pessoa.
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